Imigrantes são 20% do quadro de funcionários do negócio que investe na culinária regional amazônica
Por: Yana Lima
Engana-se quem pensa que somente as multinacionais contratam refugiados. Ao lado do Teatro Amazonas, no Centro de Manaus, está o Restaurante Caxiri, local de trabalho de quatro venezuelanos que se encontram em situação de refúgio no Brasil. Pode parecer pouco, mas para um negócio de três anos e com 20 funcionários, as contratações já se provaram mais do que acertadas. A proprietária, Débora Shornik, mudou-se de São Paulo para o Amazonas há seis anos e hoje em dia mescla ingredientes da cozinha regional para servir a turistas e manauaras.
“Estava procurando pessoas para trabalhar e por indicação conheci o ACNUR. Lá me contaram do projeto Oportunizar, que capacita e dá assistência aos refugiados aqui em Manaus. Com o apoio deles, comecei as entrevistas para atendimento e cozinha”, conta Débora.
O projeto Oportunizar é uma iniciativa do Instituto Centro de Ensino Tecnológico (Centec) e da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Da união de forças e competências, a iniciativa surgiu com o objetivo de capacitar pessoas em situação de refúgio na região de Manaus e mobilizar empregadores que pudessem receber os alunos egressos. Foram abertas quatro turmas com 30 vagas para cursos de 200 horas nas áreas de auxiliar de cozinha, instalação e refrigeração doméstica, manicure e pedicure e auxiliar administrativo. Além do conteúdo técnico, os alunos também receberam 40 horas de aulas de língua portuguesa.
“Participamos de algumas reuniões com o ACNUR e outras instituições que queriam cooperar com os refugiados. Mobilizamos empregadores para formar uma rede que pudesse receber os alunos após as capacitações. O Restaurante Caxiri se tornou um desses parceiros. Nesta primeira edição em 2018, formamos 80 pessoas. Trabalhamos com cargas horárias flexibilizadas para conseguir atender a todos.”, destaca Nathalia Flores, coordenadora de projetos institucionais do Centec.
Em 2019, o Oportunizar deve abrir novas turmas de refugiados. O agravante da crise econômica, política e social da Venezuela e a proximidade geográfica com o norte do país, faz com que muitos venezuelanos escolham a capital amazonense como local para se refugiarem.
Julybeth Marquez, 34 anos, saiu de Ilha de Margarita, extremo norte da Venezuela, e percorreu mais de 2,2 mil quilômetros em barco e ônibus durante dez dias para chegar até Manaus, onde o esposo vivia há um ano. O casal é licenciado em educação, mas na terra natal ele trabalhava de garçom e ela auxiliava a mãe na escola de gastronomia da família. Ela conta que um dia conheceram turistas brasileiros que ofereceram trabalho a ele como professor de espanhol na capital amazonense.
“Eles motivaram meu esposo e ofereceram a primeira oportunidade. Ele conseguiu fazer outros trabalhos simultâneos e quando se estabeleceu um pouquinho melhor, começou a me mandar dinheiro para que eu pudesse vir. Deixar meu país foi uma decisão muito complicada. Minha mãe ficou sozinha porque minha irmã vive no Chile. Hoje estamos dispersas pela América do Sul. Mas foi ela [mãe] que me deu o empurrão”, conta Julybeth que vive há quatro meses no Brasil.
Assim que chegou a Manaus, a venezuelana deu entrada na solicitação de refúgio e, segundo ela, “nessas andanças”, conheceu Débora e o Restaurante Caxiri. A conexão entre as duas vai além da culinária amazônica, presente nos dotes de Julybeth e nos traços gastronômicos da proprietária do estabelecimento. Débora confiou à July, como costuma chamar a colega, a posição de “braço direito no Caxiri” e July adotou a equipe do restaurante como sua família no Brasil.
“Ela é extraordinária, tem um coração enorme e entende a minha situação. Quando estabelecemos nossa parceria, eu não falava nada de português, fazia apenas sinais. A Débora foi muito carinhosa e paciente. Há outros venezuelanos aqui também. Com esse abraço fraternal, estamos cuidando um do outro, nos protegendo, isso dá muita confiança e motivação. Tenho uma alegria imensa de trabalhar aqui”, vibra July.
A primeira contratação de refugiado pelo Caxiri ocorreu em outubro de 2018. Atualmente, os quatro venezuelanos que trabalham no restaurante ocupam cargos de garçonete, cozinheiros e gestão administrativa, função de July que se considera “una Débora chiquita”. Todos eles mandam dinheiro para as famílias que ficaram no país de origem.
“Eu nunca tinha parado para pensar que eu poderia contratar um refugiado. Foi uma janela que se abriu, uma ficha que caiu. Tem sido muito inspirador para mim e para a equipe essa convivência. Eles [os refugiados] estão fora da zona de conforto, estão se reinventando e se adaptando. Isso acende uma luz para observarmos o quanto a gente tem. Estou num paraíso à parte, porque as pessoas que estão aqui comigo são muito legais.”, conclui a proprietária.
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