27/06/2022
Por Karine Wenzel
Quando Rómulo Cuárez chegou em Pacaraima (RR), em outubro de 2020, tinha deixado para trás um emprego no Governo Federal da Venezuela. Na mala, trouxe apenas os documentos e as medalhas e títulos que recebeu na época que era lutador de boxe profissional, inclusive com participação em campeonatos mundiais.
“Foi uma decisão muito dura a de deixar tudo. Fui um atleta reconhecido no meu país e não podia mais estar lá por conta das condições da Venezuela. Tenho graduação universitária e precisei parar meus estudos e tudo mais. Mas fiz as coisas certas e o Brasil me acolheu muito e me ensinou a ver para onde quero ir”, conta Rómulo, de 54 anos.
Mesmo com experiências em diversos setores e cargos de liderança, ele sabia que o Brasil representava um recomeço na vida pessoal e profissional. E esse recomeço veio em São Paulo, após o processo de interiorização do Governo Federal com apoio do ACNUR. Na capital paulista, com o suporte do Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados – PARR, programa da Emdoc, empresa mobilizadora do Fórum Empresas com Refugiados, foi contratado como técnico de campo na CSO Global em julho de 2021. Com sede em SP, a empresa atua com Gestão e Operação de Serviços de Campo e é especializada em sistemas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), Automação Empresarial, Energia Renovável, Segurança Eletrônica e Controle de Acesso. “Aqui me tratam igual a qualquer trabalhador brasileiro. Temos um sentimento de pertencimento e a diretoria tem um afeto muito grande pela temática do migrante. Me sinto plenamente integrado e pude reconstruir a vida no país que acolheu tão bem a mim e a minha esposa”, acrescenta.
Com muita dedicação, oportunidades dadas pela companhia e experiência em gestão, Rómulo, em apenas seis meses, foi promovido para assessor de processos e qualidade. E, em menos de um ano, passou a ocupar o cargo de líder de Prevenção e Controle de Perdas (PCP) para a América Latina, no qual supervisiona processos, realiza auditorias e faz planos estratégicos para diminuir riscos e vulnerabilidades.
Contratação de pessoas refugiadas na CSO Global
O CEO da CSO Global, Daniel Barros, conta que a empresa começou a avançar na contratação de profissionais refugiados em 2021, quando passou a fazer parte do Fórum Empresas com Refugiados, iniciativa do ACNUR e Pacto Global da ONU no Brasil.
“Todo profissional da empresa deve ter igualdade de direitos, obrigações e deveres. Isso está no nosso código de ética, é um valor da CSO Global. Não estamos fazendo trabalho de filantropia, é questão estratégica para empresa. Temos dificuldade de captação de profissionais que queiram avançar na carreira e as pessoas refugiadas costumam valorizar estabilidade, querem criar raízes. É uma mão de obra bastante fiel e muito bem qualificada. Além disso, eles aprendem muito rápido. Rómulo, por exemplo, logo começou a se destacar com sua capacidade analítica, na redução de custos e gestão de riscos. Ele está super integrado a nossa empresa e equipe”, avalia o CEO.
Atualmente, a companhia conta com dois profissionais refugiados, mas planeja ampliar bastante esse número. Em junho de 2022, foram abertas 50 novas vagas direcionadas, prioritariamente, a pessoas refugiadas. Para fazer a pré-seleção de candidatos, a organização conta com o apoio do PARR, em São Paulo, e do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR) nos demais locais.
“A gente quer oferecer outras oportunidades aos profissionais refugiados e migrantes, expandindo nossas operações para outros países da América Latina. Esses profissionais terão prioridade para essa expansão, levarão nossa cultura para esses outros países. Além disso, queremos formar mais líderes refugiados”, planeja.
Medidas para auxiliar na inserção
Daniel explica que algumas ações foram adotadas para ajudar na inserção e contratação de pessoas migrantes e refugiadas - algumas delas, inclusive, foram inspiradas em práticas compartilhadas na plataforma e no Fórum Empresas com Refugiados. Como o idioma é um dos principais desafios, as entrevistas sempre contam com a presença de Rómulo e outro parceiro venezuelano. Isso ajuda a dar credibilidade à empresa e facilita no entendimento. Outro ponto para auxiliar na compreensão do português e até mesmo da cultura da organização e do país é o acompanhamento do funcionário refugiado nos primeiros meses por um colaborador brasileiro. Além disso, como a empresa exige uma parte técnica específica, criou uma plataforma de ensino EAD com oferta de cursos gratuitos. Assim, interessados podem fazer o curso e aqueles que se destacarem podem ser contratados futuramente.
Rómulo reforça que está muito satisfeito em poder contribuir com outras pessoas refugiadas. Além do apoio nas entrevistas de emprego e indicação de profissionais venezuelanos, Rómulo também desenvolve, fora do seu horário de trabalho, atividades e suporte na área esportiva. Ele é o representante no Brasil da Federação Internacional de Esportes para Refugiados, que conta com cerca de 200 atletas e treinadores no país. “Cada um de nós deve ter fé e esperança em um futuro melhor. Devemos valorizar as oportunidades que o Brasil está nos dando. O ACNUR é uma peça fundamental neste processo de inserção das pessoas refugiadas e o Brasil é exemplo na América do Sul”, enfatiza.
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