Contratados como MEI, os barbeiros em situação de refúgio vencem o preconceito com suas habilidades na tesoura e navalha
Por: Yana Lima
A história da barbearia manauara Route 66 começou juntamente com o envolvimento do proprietário Remulo Soares Mota com a causa da empregabilidade de refugiados. Em 2014, motivado por um amigo, decidiu montar uma barbearia que unisse serviços e entretenimento. Enquanto fazia a reforma do ponto, conheceu Enyer Graterol, venezuelano que se ofereceu para trabalhar como barbeiro no estabelecimento que foi lançado em julho de 2016.
Enyer trabalhou na Route 66 desde o começo e indicou outros dois colegas compatriotas que também deixaram a Venezuela para migrar a Manaus. Atualmente, a barbearia conta com seis funcionários, três deles em situação de refúgio, vindos do país vizinho. O estabelecimento de Remulo fica no Conjunto Residencial El Dorado, uma região movimentada da capital amazonense, conhecida pela vida noturna e bares. Além dos tradicionais “barba, cabelo e bigode”, a Route 66 oferece sinuca, videogame, jogos de dardo e serviços de bar para que os clientes possam se divertir. Entretanto, Remulo faz questão de salientar que o ponto forte da barbearia não é só o entretenimento.
“Nosso diferencial são nossos barbeiros. Eles têm qualidade, são capacitados e fazem cursos de aperfeiçoamento com frequência. O mercado brasileiro é exigente. Aqui tem que ser mais atencioso, tratar melhor o cliente, usar bons produtos”, destaca o proprietário da barbearia.
O engajamento à causa do refúgio surgiu na vida do empreendedor de maneira espontânea e amadora. Ele se sensibilizou e apostou no potencial dos refugiados. Segundo Remulo, no começo percebeu bastante preconceito por parte dos clientes, que não queriam ser atendidos pelos venezuelanos. A solução para o impasse foram conversas francas e esclarecedoras, que passavam confiança e garantiam a qualidade dos serviços de todos os profissionais igualmente.
“Os clientes achavam que os barbeiros venezuelanos não entenderiam o que eles pediriam. Havia preconceito em relação à língua, à higiene. Com uma boa conversa, fomos ganhando a confiança. Eles [os refugiados] também foram melhorando o atendimento e logo venceram esse obstáculo. A contratação de imigrantes é muito positiva. Eles vêm para cá para vencer, não têm medo de trabalhar, são pontuais e muito compromissados”, ressalta Remulo.
Refugiados são microempreendedores individuais
Prática comum nos estabelecimentos de beleza, a barbearia Route 66 remunera seus profissionais por comissão. Desta forma, todos os prestadores de serviço possuem registro de microempreendedor individual (MEI). As formalidades e documentos exigidos para obter o registro são as mesmas para brasileiros e pessoas em situação de refúgio.
A Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE) de barbeiro é a mesma de cabelereiros, manicure e pedicure - código 9602-5/01. A subclasse compreende atividades de lavagem, corte, penteado, tingimento e outros tratamentos do cabelo, serviços de barbearia, entre outros. Dados do Portal do Simples Nacional (Estatística Sinac), na data de 13 de julho de 2019, apontam que no Brasil mais de 678 mil pessoas se registraram como MEI para prestar estes serviços relacionados ao CNAE 9602-5/01. Só em Manaus, são mais de 3,2 mil profissionais com este perfil de cadastro.
Todos os prestadores da Route 66 possuem conta bancária e recebem via transferência. Remulo explica que eles não tiverem dificuldades ao se regulamentar. O processo de contratação correu tão bem e a experiência de trabalho com os refugiados têm sido tão satisfatória que a equipe permanece a mesma. Não houve rotatividade – exceto pela saída espontânea de Enier que se mudou para o Chile.
“Eles já estão aqui há três anos e nunca mudaram. Ajudaram nossa empresa a crescer. Somos uma das maiores barbearias aqui em Manaus. Temos convivência além do profissional, fazemos churrasco, happy hour, eles frequentam a minha casa. Só trouxeram pontos positivos”, comenta Remulo.
Barbeiros transfronteiriços
A barbearia tem, em sua origem, traços migratórios. Conta-se que na Europa dos séculos XVII e XVIII, os barbeiros viajavam pelas províncias oferecendo seus serviços que incluíam corte de cabelo, sangrias, benzedura e venda de raízes, dentre outras coisas. Como sujeitos em trânsito, os barbeiros carregavam consigo histórias e acontecimento das diferentes localidades por onde passavam.
Da Venezuela para o Brasil não é tão diferente assim. Emir Jose Cedeño, natural de Margarita, tem 36 anos e atua como barbeiro há mais de 15. Com o agravamento da crise humanitária no país, decidiu migrar para poder prover as necessidades básicas da família. Veio para o Brasil com a esposa e uma filha e deixou outros três filhos na Venezuela.
Emir chegou até a Route 66, há três anos, por indicação de outro barbeiro venezuelano que já trabalhava no local. Com a facilidade de exercer a mesma profissão de formação, ele relata que ao contrário do que imaginava, se acostumou rápido com o novo país e os costumes.
“O idioma é um pouco difícil, mas eu entendo bem o português. Os primeiros cinco meses foram mais complicados, mas o Remulo me ajudou e ajuda bastante. Ele me estendeu a mão. Tudo o que necessito, posso contar com ele. Não tenho nenhuma queixa dos brasileiros, todos me tratam bem, com carinho. Estou reunindo dinheiro para comprar um terreno e refazer minha vida aqui”, conta.
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