Projeto Raízes na Cidade estimula o empreendedorismo e orienta 50 refugiados sobre como desenvolver o negócio próprio no Brasil
Por: Yana Lima
Dentre os recursos mais valiosos dos refugiados estão as tradições e a herança cultural carregadas de seus países de origem. Conhecer costumes, provar novas comidas e escutar músicas diferentes desperta interesse e atrai olhares de públicos curiosos ao redor do mundo. Ao reconhecer esta potencialidade, o Airbnb – serviço digital que conecta anfitriões e hóspedes – em parceria com a organização sem fins lucrativos Migraflix, criou o projeto Raízes na Cidade. A iniciativa capacitou refugiados residentes em São Paulo para que pudessem empreender e oferecer experiências culturais na plataforma.
A ideia começou a ser estudada em novembro de 2018, inspirada em experiências de impacto social com o intuito de empoderar economicamente pessoas em situação de risco executadas pelo Airbnb na África do Sul, Estados Unidos e Jordânia. A empresa fez o recorte de público ao perceber o aumento expressivo de refugiados que chegaram no Brasil nos últimos anos. A gerente de marketing Sarah Galvão explica que a opção por trabalhar com refugiados vai ao encontro das premissas da plataforma.
“O Airbnb acredita em um mundo onde todos possam pertencer a todos os lugares. Antes de ser uma empresa de viagens, é uma empresa de comunidade. E em uma comunidade, as pessoas precisam ter portas abertas. Quando se fecha uma porta, deixa de existir uma comunidade. Temos vários projetos de impacto social para propagar esse senso e o Raízes na Cidade é um case de sucesso desenvolvido aqui no Brasil”.
A criação do Raízes na Cidade
O projeto saiu do papel em março de 2019 com o início do workshop oferecido pela Migraflix, que trabalha com a inserção de refugiados e migrantes na sociedade brasileira por meio do empreendedorismo. Foram selecionadas 50 pessoas para participarem do curso que durou oito semanas. As aulas foram focadas em oratória, português, novos negócios e atividades de enfoque cultural.
“Identificamos a oportunidade de mercado na plataforma do Airbnb, mas percebemos que eram apenas brasileiros oferecendo experiências. Como São Paulo é uma cidade super cosmopolita, pensamos que refugiados e migrantes também poderiam mostrar suas culturas por meio de atividades, tanto para turistas, quanto para brasileiros.”, conta Camila Batista, vice-diretora da Migraflix.
Durante o curso, os alunos desenvolveram propostas de atividades relacionadas às suas raízes culturais e histórias de vida mostrando, por exemplo, a gastronomia, música e demais expressões artísticas de seus países. Uma das oficinas do workshop foi ministrada por Marcia Motta, responsável pelo Airbnb Experiências no Brasil. Ela capacitou os alunos para anunciarem suas propostas na plataforma de maneira atrativa.
Os participantes do curso receberam um certificado e ficaram aptos a serem anfitriões de Experiências do Airbnb, produto que já é oferecido desde 2016. O formato permite que os anfitriões formulem um roteiro para levar os interessados a conhecer um trajeto, uma atividade ou uma aula, sem a necessidade de hospedá-lo em sua casa.
Uma equipe de jurados da empresa e convidados selecionou 20 experiências criadas no curso para entrar para o Programa de Impacto Social do Airbnb. Isso significa que 100% da verba arrecadada com a venda destas experiências na plataforma seriam destinadas ao anfitrião. Estas experiências ganharam um cuidado especial na plataforma.
“Produzimos conteúdo para que essas atividades tivessem uma cara e roupagem bacana na plataforma. Fizemos um trabalho forte de divulgação. Produzimos um evento para lançar essas experiências para a mídia. Montamos a Casa das Nacionalidades, onde os anfitriões mostravam em tempo real suas propostas aos jornalistas. Foram oferecidas aulas de dança, artes, comidas. Com o Raízes na Cidade, o público tem a oportunidade de entrar com contato com outra cultura e ajudar essas pessoas a se empoderarem economicamente”, comenta Sarah.
Desde julho de 2019 as experiências desenvolvidas no curso já estão hospedadas na plataforma digital. Aquelas que fazem parte do projeto de impacto social não são taxadas, ou seja, os anfitriões não precisam pagar nada para anunciar. Segundo Sarah, a ideia é seguir dando visibilidade e desenvolvendo o Raízes na Cidade. A Migraflix tem planos de expandir o projeto para outras praças no Brasil e o Airbnb tem interesse em diversificar as atividades oferecidas.
Imersão cultural ao lado de casa
Yamam Saad é natural da Síria e se refugiou no Brasil há três anos. Formada em Arqueologia, ela trabalhava no Museu Nacional de Damasco e tem intimidade com as histórias de civilizações árabes. Pensando nisso, ela criou a experiência Viagem à Damasco, um tour virtual pelas ruas da parte antiga e histórica da capital síria por meio de um vídeo especialmente produzido para a proposta. Além disso, Yamam oferece degustação de comida árabe e um exclusivo café com cardamomo. Os “hóspedes” ganham um quadro com seu nome escrito em caligrafia árabe.
“Aqui no Brasil, eu dou aulas de árabe e faço maquiagem típica também. Participei do projeto com o Airbnb e criei a minha experiência para mostrar outro lado de Damasco e da Síria. Tenho muitos amigos e alunos que têm vontade de visitar e não têm coragem por conta da guerra. Então, decidi trazer Damasco para cá. A cidade tem mais de três mil anos e é muito rica, tem muita história. Para mim, tem sido muito legal porque é uma oportunidade de mostrar que meu país tem muito mais a oferecer do que a guerra”, explica Yamam.
Outro projeto selecionado para fazer parte do portfólio de impacto social do Airbnb foi o do congolês Duchelier Mahonza Kinkani. Refugiado no Brasil há quase 4 anos e atualmente desempregado, ele é formado em Artes Plásticas na Academia de Belas Artes de Kinshasa (R.D.Congo) e já trabalhou como pintor e grafiteiro. A paixão pelas artes o motivou criar a experiência Arte e design de tecidos africanos na qual conta sobre a história, expressão, técnicas de criação. Os participantes têm a chance de desenhar uma estampa africana com guache e pincel e no final levam a obra de arte para a casa.
“Desde criança, procuro sempre compartilhar minha experiência artística e cultural com todas as pessoas por acreditar no potencial da arte, porque a arte é uma forma de comunicação e é possível libertar emoções e sentimentos a cada criação. Ao oferecer esta experiência, estou ajudando as pessoas a entenderem a história e expressão da cultura africana. Mudou muito a minha vida porque estou trabalhando em uma área que eu gosto, me ajuda com renda extra e melhora minha condição financeira”, conta.
Impacto positivo
Além do projeto Raízes na Cidade, o Airbnb desenvolve outras iniciativas que trabalham com diversidade e estimula a discussão destes temas entre sua comunidade. De acordo com Sarah, ações como estas estimulam os colaboradores, empodera pessoas e dá um gás à equipe.
“Como funcionária, tenho muito orgulho a trabalhar em uma empresa que está atenta às questões da comunidade. Gera consciência. Trazer à tona essas histórias de vida, gera empatia. Essas pessoas tinham suas vidas em seus países de origem, estavam felizes e foram forçadas a migrarem. A maioria delas sonha em voltar para sua cidade natal, viver com suas famílias. Se nós nos colocarmos um pouco mais na pele dos outros e formos mais abertos a dar uma oportunidade, seja financeira ou social, conseguimos fazer com que as pessoas se sintam mais acolhidas”, conclui a gerente.
Segundo Camila, das 10 experiências mais vendidas no Airbnb hoje na cidade de São Paulo, cinco delas foram elaboradas com a Migraflix. O impacto do projeto Raízes na vida dos refugiados é claro “eles conseguem gerar renda direta para suas famílias, a partir do conhecimento adquirido no curso e do canal de vendas oferecido pelo Airbnb. Além disso, temos outros resultados, como a integração. Todas as vezes que propomos que pessoas vivam experiências em culturas diferentes, proporcionamos que elas quebrem paradigmas, se conheçam e desmistifiquem estereótipos”.
Comments