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Cashier Cold contrata e alfabetiza refugiados em Embu das Artes

Atualizado: 24 de mar. de 2021

Além da oportunidade de trabalho, empresa da região metropolitana de São Paulo investe na educação e capacitação dos funcionários para desenvolvê-los internamente


Por: Yana Lima

Reunião semanal de funcionários na Cashier Cold


A história da Cashier Cold, fábrica de câmaras frias, painéis térmicos e contêineres, se mistura com a jornada de migração do proprietário paquistanês Ahmed Malik Ejaz, de 64 anos. Ainda jovem, Ejaz deixou a terra natal para estudar e passou por outros países antes de chegar ao Brasil, em 1996. Motivado por sua história de vida, ele abriu oportunidades de trabalho na empresa para refugiados e, atualmente, emprega três pessoas naturais da Mauritânia. Os vinte e três anos em terras brasileiras não ocultam o sotaque carregado de quem aprendeu português depois de décadas se comunicando em urdu, idioma oficial do Paquistão.


“Quando cheguei aqui, fui morar no piso superior de uma loja de tapetes. Não falava português, mas um funcionário meu da França era de origem portuguesa e veio me ajudar. Para abrir a empresa precisei registrar seis funcionários brasileiros e fiz um investimento de 200 mil dólares. O processo foi complicado, tive problemas burocráticos, mas onde há muitas dificuldades, a gente aprende mais. Por isso, quando vi essas pessoas [os refugiados] senti muita vontade de ajudar. Se eu não tivesse passado por tudo o que passei, talvez não pensasse assim”, relembra Ejaz.


De acordo com as novas regras do Conselho Nacional de Imigração (CNIg) definidas na Resolução Normativa número 118, em 21 de outubro de 2015, para obter o visto de permanência no Brasil atualmente, investidores estrangeiros, como Ejaz, devem comprovar investimento, em moeda estrangeira, igual ou superior a 500 mil reais. Antes, o valor mínimo exigido era 150 mil. No Plano de Investimento, os estrangeiros também precisam apresentar uma proposta para criar postos de trabalho – com recursos aplicados em empresas recém-constituídas ou em entidades já existentes.


O empresário conheceu os refugiados que contratou na mesquita do Brás, região central de São Paulo. A religião é muito presente em sua vida. Ejaz frequentava o templo todas as semanas e, juntamente com um amigo, dedicava-se à construção da Associação Beneficente Islâmica Tabiun (Mesquita do Taboão) na zona sudoeste da capital paulista. Diante da necessidade de contratar pessoas para a obra, Ejaz encontrou os mauritanos Lassana Bakhayokho, Soumare Bouna e Camara Fily.


A diretora jurídica da Cashier Cold, Tatiane Renda, acompanhou as contratações de perto. Segundo ela, Ejaz percebeu o desempenho dos rapazes na construção e decidiu recrutá-los para produzirem os painéis e as câmaras frias. Eles foram efetivados de acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a empresa garante moradia, auxílios saúde, dentário e farmácia. Tatiane conta que se impressionou com o profissionalismo, dedicação e seriedade dos três no dia a dia e achou importante desenvolvê-los.


Com o apoio de familiares e colegas de trabalho, a diretora traçou um plano de estudos para que eles fossem alfabetizados, já que na Mauritânia tiveram apenas o ensino religioso. O gerente da Cashier Cold Vinícius Chiquito é quem dá aulas de matemática e raciocínio lógico, voluntariamente. A irmã de Tatiane, Telmara Renda Hayata, ensina português. As aulas ocorrem na sede da empresa, três vezes por semana e têm a duração de quatro horas por dia.


“As aulas vão ser dadas até que eles estejam aptos a completar os estudos na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Temos uma meta de dois anos para estarem formados em cursos técnicos de automação e mecatrônica. Estamos fazendo por eles o que fizeram para nós em outros momentos da nossa vida”, destaca Tatiane, que foi imigrante no Japão por três anos.



Aulas de português e matemática


Camara Fily tem 24 anos e veio sozinho da Mauritânia em 2017. Em São Paulo, foi recebido pelo primo Lassana que o ajudou a providenciar os documentos necessários para regularização do status de refugiado no Brasil. Ele conta que deixou o país de origem porque lá não tinham direitos trabalhistas que os protegiam e sofriam muito com racismo.


“Aqui [no Brasil] as pessoas são mais abertas, foi fácil me adaptar. Quando cheguei fui até a Cáritas com meu primo. Entreguei vários currículos, mas como não falava português, era difícil conseguir algo. Eu ia rezar todas as sextas-feiras na mesquita e conheci o Ejaz. Minha vida mudou muito com esse trabalho. Para melhor. Penso em seguir no Brasil, trabalhar bem e estudar para ajudar minha família que ficou lá”, explica o mauritano.


Religião: adaptações na rotina de trabalho para receber refugiados


O islamismo fez cruzar os caminhos de Camara e Ejaz. A religião tem um peso relevante na vida do empresário e dos funcionários em situação de refúgio da Cashier Cold. Por conta disso, a empresa adotou algumas adaptações estruturais e promoveu a conscientização dos funcionários para acolher e atender as necessidades culturais dos migrantes. Tatiane explica que no começo, os empregados brasileiros viam as permissões como privilégios, mas foram incentivados a aprender sobre as diferenças e as tradições com os colegas estrangeiros.


“Eles podem rezar cinco vezes por dia e sair mais cedo para ir à mesquita nas sextas-feiras. Temos um espaço especial na empresa para que possam fazer a prática religiosa. Antes eles rezavam no papelão e agora temos tapetes. O Ejaz autorizou e apoia 100%. Eles são exemplos para os brasileiros porque são muito disciplinados”, ressalta Tatiane, que passou a estudar o islã.


Com o auxílio da diretora jurídica, os três funcionários entraram com a solicitação de visto de trabalho e contam com o apoio de Ejaz para trazerem a família que ficou na Mauritânia. A empresa, que conta com 11 colaboradores no total, tem a intenção de continuar engajada à causa do refúgio, estendendo as ações a outras comunidades por intermédio da mesquita.

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